terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O mouro...

É, e tão extensos foram os dias,
tão longas e furadas as horas – as passadas e as que ainda se arrastam – no mar,
que conserva no movimento, no trajeto, no percurso do corpo um incerto tom de
vaga, um impreciso balouço, somente o preciso para a não extinção total do
corpo que é, somente o suficiente para a infausta fragmentação parcial da
estrela perdida que vem sendo e vai sendo, singrando a procura do aberto das
coisas; é, e no seu avesso, onde se detém, sem que o saiba, o seu íntimo,
correm os corpos, correm as fontes, os cantos das sereias como promessas de uma
Shangrí-la em que no final só restará a ilusão da fuga, correm roedores, correm
ratos de todos os tamanhos a outra ponta da nau onde talvez e só talvez
encontrar um cantinho seco por alguns minutos e que sejam esses minutos
comaquelas extensas – ainda que torturantes – horas sem fundo; e, abarcando
esse desespero de ratos, essa fuga, esse tatear cego, as ondas gigantes, essa
hidra, essa sila e bestas mitológicas todas que se puder imaginar, esses irmãos
que não servem mais e que atiram ao mar, esse mar, os rios mais caudalosos que
chegam a ele, o fremir dos corpos que caem estrebuchando transpassados por fio
de espada, as velas que sobem pra descer, as ondas que descem num impulso de
jogar outras mais altas vai toda a embarcação levando o inferno por sobre as
ondas com seus diabos e capatazes em perfeita harmonia, o primeiro empunhando chicotes,
o segundo tridentes; é, é então quando toca em si feito uma dessas ondas
gigantes, ou um raio atravessando um ribombar de trovão atravessando um céu
atravessando um vendaval que lhe toca um choque depois de transpassar sua
compreensão que aqui é quando se toca o destino, quando todo destino morreu e
se segue enredado nesse inescapável sem outro voo possível e a morte, bem viva,
vai singrando, em tom lento de vaga na cabeça anestesiada e toda a peleja lhe
parece uma abstração antiga, antiga... toca então pesado a água aquele corpo leproso
com suas chagas purulentas abertas que outrora fora atirado ao mar, quandentão
esse guerreiro descobre seu espólio no que caem as pálpebras, os músculos
esmorecem e mal sente na galé nova frincha sendo aberta em suas costas... ah!, seu
espólio?, ser mouro na vida.


A. do Carvalho...
...em 29 de dezembro de 2011


(Storm, ou Tempestade)
para Ricardo Bernardini


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