terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ascendendo... (ao chão)


Ora, deixa tua bagagem, desvencilha-te e corre, rasga essas asas das tuas costas e voa, mas vai pelo chão de terra firme, mantém tuas pernas secas de modo a ganhar velocidade, logo, atingirás tal grau de abstração ao ponto do sol se tornar azul, daquele jeito perpetuamente fincado num céu dourado que nem Josué com seu deus poderá alterá-lo outra vez, tudo te anunciará um novo dia, um dia bom, num verão também novo, também bom, com a metade de dentro da vida se encontrando, sabe?, com a metade da vida de fora, num comércio preto no branco, numa nova relação, harmonias, numa confiança – até quem sabe numa fé – de que as coisas poderão por si mesmo se sustentar e seguir dentro dessa atmosfera assim toda nova, toda estranha, toda boa, segue cortando o mundo como um raio, uma linha limite, o dia tênue que separa uma estação da outra, vê, não repara o borrão, o mofo, a decrepitude que vai se tornando o mundo quando você ascende as alturas, tenta se erguer só contigo mesmo, com a tua confiança a não ser que os que vão ao teu lado não tentem te atrair pra fora do que tu está sendo neste momento, aprende a dormir com os olhos abertos sem que no sono eles percam o viço, o vigor, a força deste teu olhar que tu andas olhando de modo que nenhuma mão ouse se erguer contra ti e certifica-te, sempre, de não ter subido os montes tão alto na tua desvairada alto-estima e fome, desejo de alcançar os céus mais etéreos, que lá em cima o ar é rarefeito, há vulcões que não esperarão mais cem anos pra te queimar, deuses pra te torrar, gregos e romanos despudorados que não  hesitarão em fazer da tua graça alcançada um alto de Taigeto ou Tarpeia de onde te possam empurrar, e, como há muito se é sabido, o céu é imensamente pequeno, eis o motivo que leva os anjos a escorregarem sempre antes de todas as outras criaturas celestiais; e quando caíres – que tu hás de cair – as asas que te impediam de voar te farão falta, faltará contigo a tua fé pelo simples novo motivo de tê-la tido em demasia e quando te arrancares da queda o chão, a morte – que alguém disse em algum lugar que não a queda, mas a súbita parada é que mata – certifica-te de – como numa crença de amenizar os fatos – parar com a cara voltada para as estrelas como decretou Prometeu, que nenhum outro deus vai fazer de ti um jacinto, que a Luz Matutina é agora – e para sempre será –  escuridão e mal augúrio.



A. do Carvalho...

...em 12 de dezembro de 2011

Para Wasil Sacharuk, pelo incentivo à poesia e pela edificante amizade.

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