sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Sozinha...

(ao som de Cala a boca, Bárbara – Chico Buarque)


E por vezes fumo cigarros quando os suspiros se tornam irremediáveis, quando o pulmão se aperta, a fumaça deixa meu corpo e encontra o vidro da porta, numa explosão se dissipa em formas reconhecíveis somente para mim, nessas horas geralmente há chuva, gotas do outro lado do vidrado que escorrem num rumo definido em direção ao chão, é então que apertando os olhos no meio do fumo que enche o vão, penso num dia bonito, quente de verão, com um calor nos corpos; sinto mesmo vontade de sair, mas como quem dá o primeiro passo em falso e cai num ridículo de quase cair diante de muitos olhos me retraio; é só que sinto muito medo, medo do que pode advir de meu caminhar por aí, medo de mudar as estrelas de sua devida posição em uma constelação, esbarrar ombros em outros ombros e seguir deixando vazios, dos cursos dos rios alterados porque eu coloquei o pé na rua, da cachoeira esquecer que rumo tomar; irracional?, acho que muito provavelmente talvez com certeza, mas eu sei que entendes, que palavras são só símbolos e os símbolos não são as coisas que supõe-se que são quando olhados, então isso é medo, isso é desorientação, é não saber a maneira correta de pisar o mundo ou só o chão, feito sair pra comprar salsichas e não saber como fazer o pedido ao taberneiro ou como estender o dinheiro, nós saberíamos se precisássemos de ovos, mas salsichas não, não é verdade? é ter a língua sempre dentro de um dialeto desconhecido, então fico aqui numa dor de não ter amor, numa dor de não ter remédio, numa certa compreensão já feita de que se houvesse amor ele não curaria, nem remédio remediaria e é quando meus olhos tocam o chão acompanhando as derradeiras gotas de chuva que deslizam pelo vidro, que me toca uma presença, feito viesse de longe e a partir de determinada distância os olhos entendessem as formas, eu entendo, nesse momento, que entendo de meus abismos e das coisas que sobem se batendo por seus corredores e num segundo dentro de um vestígio solto a ponta de cigarro e antes que ela toque o chão terei aberto a porta da rua, dado as costas a ela e entrado no quarto e me justificado: eu não posso sair, meu amor, sinto medo sei que tu vens, porque tu conheces os meus caminhos, meus meios, abro as portas pra você que sempre vens e talvez venhas porque sinto medo, de ver o sol, as nuvens que passam, mais me valeria que trezentos valentes entrassem pela minha porta e me flagrassem nua, mas eu sei que tu vens e meperdoe sete tuteio é só que não sei te tratar senão assim, eu não sei mentir só sei é de ter medos, dessas verdades que se cantam por aí em voz mansa de forma que se pareça mentira, “dizem que o mar vai virar sertão” e no fim eu não sei qual a mentira ou a verdade nas palavras, nas tonalidades, fico agastada e cansada, ora, pois ergue a pálpebra sobre os olhos do teu morto e mente pra si mesmo que tem luz neles, se podes, masnãotedesviesdemimmeubem tu me conheces e eu sou a única que te conhece, não te detenhas diante das tuas colunas, dos teus mármores, das cortinas, das tuas entradas, o templo é teu, meu imperador, tu conheces meus caminhos, as minhas entradas, te espero de braços abertos, adentra os prados que tu conhece tão completamente, toma na mão teus prados, sente o orvalho, o sabor e o aroma da noite, se vieres vou te fazer um laço a princípio, quando adentrares tuas colunas, quando sentires os toques dos teus deuses, em seguida te darei um nó tão apertado com meu corpo de modo que vamos nos fundir em uma única carne, e quando levantares para me deixar me deixarás carregando-me contigo, eu serei a marca intratável de ferrugem nos teus ferros, o teu ferro em brasa que virá pra marcar a tua escrava e não deixará essa minha carne sem levar nele minha própria marca, sem que se deteriore sem mim... pensarás que estou me abrindo para você, mas em verdade te estarei fechando em mim, na incineração total dos corpos, que queima, inflama tentando se ajustar a melhor posição sem parar nunca de arder, o beijo em transição, que encontra o seio de infinitas maneiras e não para nunca de procurar outras, melhores, enquanto meus óleos contribuem pra essa tua busca da perfeição sem avisar que essa perfeição, esse cume, ele está neste escorrego, nessa procura, nessa febre, nos nossos prados, celestes, queimando no fogo do diabo até que uma espécie de loucura aconteça, que sempre acontece, uma brancura na cabeça, uma claridão tomando conta do quarto quando enfim esquecemos o outro e nos voltamos somente pro nosso próprio prazer, nossos próprios rios, pressa contração feito metessem argamassa na gente, nos nossos meios, te aperto e sei que aquele nó encontrará sua completude neste momento, quando lá no meio das matas a mais escondida e mais frágil forma de vida se retrai e explode de alguma maneira oculta, nesse momento o laço se desfaz, voa uma borboleta em direção ao seu último instante, abro os olhos e me encontro num caos horrível, numa confusão que não se sabe onde se principia nem até onde se estende, e eu, sozinha, estendida completamente nua... murcha... os mármores tombados, os rios e as relvas secas e os seios como um céu de circo no chão, com todos seus sonhos e esperanças caídas no pó.

A. do Carvalho...
...em 26 de agosto de 2011

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A não juntar em miúdos...


Viagem as estrelas, não pretendo saber, que o sol, a lua se direcione sempre às minhas costas, pouco me interessa agora, e essa coisa, esse pouco, essa coisa única, essa coisa só que me faz interesse é espessa, densa, torna-se difícil caminhar por ela, tento apagar o que vejo porque o que vejo não é mais que paredes de pensamento, se deuses quais o tempo ou a inteligência poupou não mais que os nomes e as ilusões se resolverem desvelar em carne agora, então direi que é tarde e que se sele outra vez esses nomes embaixo dos oceanos, a minha fé morreu sufocada, lenta, cruel com dor, tentando entre espasmos tocar uma luz, e se debatendo como um demônio no céu, o furto lento e aos poucos do ar do moribundo, então, agora, aqui, já não procuro senão guiar na minha compreensão as minhas mãos, viagem astros livremente longe da minha ciência e assim se mantenham incólumes, dou as costas feito uma fêmea, algo que é e que algo dá, para que a luz, se reverso fosse entraria pelos meus olhos explodindo em quimeras, se faça fora deles mostrar nos limites das bordas da minha sombra porque estou cansado e só quero meu olhar sobre meus atos agora, sobre meus passos, quero entender essa composição, essa melodia de todos os dias e de todas as horas, da terra que contorna o sol ordenadamente ao fogo que queima desordenado e então me encontrar, sim, quem sabe talvez me encontrar entre um e outro – a transladação da terra, o movimento do fogo – somente olhando a palma preta da sombra da minha mão, e então compreender o que dia antes, dia depois do outro faz os nossos atos tão tortos, uma ligação, quero pegar o risco entre os corpos e compreender o instante que precede o punhal que entra na mão que acaricia, o dente que dentro do êxtase perfura a carne para encontrar o sangue e a dor de ter algo que se derrama de nós sem que queiramos, sem que possamos, sem que agüentemos... muitembora agüentemos – quandentão despedaçamos.


E a morte está não no despedaçar-se, mas no ajuntar-se.


A. do Carvalho...
...em 29 de julho de 2011

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A última que morre...

Então que seja assim minha longínqua esperança, uma estrela distante, distante atrás do mar, parada e morta, porém iluminada, que sopre o vento, que balance o mar, que faça ondas não me atrapalhando nunca no jogo de pensá-la em movimento, não parada feito um quadro morto de morto no quarto agourento até meus olhos quebrados de quem aspira à cegueira notar ser minha estrela a lanterna de barca simples e cargas simples – não sendo jamais o contrário, entende?
A. do Carvalho...
...em 27 de julho de 2011

Década de 1930...

(de Jorjamado pra mim)
Acordo da minha dor ao som de apito de trem que parte, então eu brinco porque tem coisas bonita que brotam de umas feia, num repente percebo um não, porque o que eu planto aqui, onde não há perdão quase sempre brota longe, mas ignoro esse detalhe porque se não sonho não vivo um instante, penso, penso enquanto ainda desperto nesse vagão isolado dos olho de Deus entre sacas de fumo e de café, no cavalheiro distinto depois do jantar acendendo um charuto elegante diante da dona que traga um cigarro fino num desses cafés que só tem nas capitais, coisa bonita de se ver, o charuto para entre os dente do homem e põe uma pretensão num esboço de um sorriso enquanto o cigarro entre o vermelhão nos lábio da dama traz à superfície um assentimento, coisa bonita entre sexos que enrijecem e umedecem, entre botões de carne que brotam sob o tecido do vestido fino, enquanto a negra feia e acabada c’os cabelo tudo bombril está lá na fábrica, pegando bocado desse fumo com os dedos tudo calejado, triste, triste, com fome, fazendo o charuto fino que nunca vai fumar... bom é trazer as imagens em sequência contrária que dá mais gosto ou menos desgosto não sei, mas realmente penso ou brinco assim: se morro vou pro céu, como esse pão do diabo é pra gozá Deus depois, como uma preta na cocheira, dessas com o cheiro de fumo no cabelo duro prasquecer o gosto amargo de não ter uma ponta de cigarro a dias e brinco pra cabrocha que os cavalo são tudo meu, que é meu meu corpo marcado de açoite que chegou aqui da escravidão ainda, se bem que no tempo da escravidão tinha prato de comida, agora não tem chicote, não tem comida e tem o apito, tem o apito que desperta e adormece, a minha estação é a estação donde fica a carga, o vagão se abre, saio da clandestinidade e pego uma surra (de chicote) por mó de que não posso pagar a viagem e até meus sonho agora são cobrado, mas mesmassim brinco, que o quadro é feio.


A. do Carvalho...
...em 27 de julho de 2011

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Isso é inércia...


E depois de um tempo desconfio dessa minha descrença e dou até um movimento no meu corpo tão parado, vê se um princípio de Arquimedes (talvez, as informações se embaralham apertadas na minha cabeça) traz alguma coisa à tona, uma coisa qualquer dentro de um movimento em direção de uma mudança, uma mudança que acontece tão devagar, tão pausadamente que quando a nota, a nota como um visitante súbito, sem preâmbulos porque ’stá tudo parado parece, e eu penso uma coisa tão pequena que só posso pensar se tratar de uma preguiça, uma preguiça de quem já pensou muito, já leu muito e já viu muito a ponto de totalmente caído num “acostumamento” não mais nota o pensamento que pensa, nem o que foi isso que leu ou viu, embora tenha lido e visto agora, mas há uma consciência, há uma consciência nisso, percebe?, essa consciência de que algo passou e te tocou e quando se percebe que foi tocado já é tarde pra compreender o toque, será, em nome dos deuses, que já tem demais (que nem é demais assim) na minha cabeça a ponto de ela estar cheia como está cheio o mundo que se me mostra sem que nada mais nele caiba de novo e de belo?, mas vê, não me esquece, eu vi uma consciência, é a percepção de algo que se moveu, que respirou, entende?, quanto um grão de areia largado a bilhões de anos-luz de qualquer civilidade pode influir no Universo Infinito?, deixa eu dizer que escutei como um eco só, como um ladino duende mágico que encobre a sua aparição com uma sensação de ter sido visto, só fantasia da minha cabeça onde nada mais cabe senão o que não tem corpo, uma fantasia como dizes, ínfimo, um movimento de escambo no meio da vasta floresta, uma pedra bonita que um índio leva, um pau-brasil só, uma tora só tirada da vasta, vasta Mata, só um e tendo sido um só, me deixa compor que se arranque outro depois, deixa eu mexer o meu corpo mais uma vez, então posso até andar para trás e me imaginar – depois de pegar que algo se mexeu em minhas matas – dentro do primeiro deslumbre português; uma folha jamais deslumbrada que balança dentro da Amazônia; eu vou balançar o meu corpo todo e sei que não vai ter depois de um tempo muito de perceptível ou imaginável, mas quero crer, por D... por essas coisas todas que envolvem e que dão só-dão sentido à palavra Deus – assim com um dê maiúsculo mesmo – que há uma engrenagem, mesmo que essa crença seja só um subterfúgio pra algo que a gente quer e sabe que não tem, que não tá acontecendo, mesmo que eu saiba que quando chegar em casa Galatéia ainda será um inútil aglomerado de marfim, vou imaginar, então vou só imaginar essas pequenas coisas, esses infinitos pequenos imperceptíveis movimentos que nos colocam dentro do Súbito, duma sensação de finitude, feito o buraco nas nossas matas com o qual nos deparamos ou o contrário, mais certo seria dizer: o mato no buraco, igual uma morte, coisa tão explosivamente grande feita de nada ao fim de um caminho de nadas constantes.
A. do Carvalho...

...em 23 de junho de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Meu Segredo...

Feito aquele segredo das orelhas de Midas, o que ninguém sabe, que ninguém sonda, o impronunciável, aquela vergonha, quisera eu pronunciado uma vez só fosse o teu, ante um buraco na terra – tanto melhor –, eu o esperaria como no fantástico caso, teu segredo da terra brotaria feito o do rei da Frígia e quando atingisse o tamanho de uma criança pequena como uma criança pequena sairia a pronunciar-se aos quatro cantos e eu no meu escasso canto receberia teu segredo nos meus e tal como me foi contado eu os transcreveria e tentaria por um tempo apanhar o “que se quer dizer” das tuas palavras como quem tenta apanhar a parte de um rio que ainda carrega o nome que o deram quando esse já não mais o é, quando esse já é mar, mas por pouco tempo eu tentaria, e logo então – porque tem andado fraco o meu pensar e fraca a minha disposição para desvelar qualquer mistério – traduzi-los-ia em minhas próprias verdades e nelas, tu me amarias.



A. do Carvalho...
...em 11 de maio de 2011

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Àquela que se foi...

Olho-me nos olhos e é difícil entender, é difícil pegar, feito um mar que lhe arrasta sem que se possa mesmo dizer que você o toca, muito embora seja tocado, faz tempo, pode-se dizer que passou, que posso permanecer, como permaneço, mas eu ainda vejo, a minha inconsciência me leva ao fim do labirinto como se consciência fosse, como se pelos deuses guiado fosse, mas é tarde para atos heróicos, é tarde  para monstros enfrentar, é tarde para chegar onde quer que lugar seja, mas não querer não basta, moleza não basta, nem parar e chorar basta, os caminhos que percorremos são monstros que comem a própria cauda, o que nós somos são os monstros, o que nos move, antes de nossas pernas o são, num faz e desfaz tudo se faz é igual pensar, é igual ver filme, é igual ler livro, ser personagem sartriano: mais rápido que você possa pensar já está em outro lugar ou outro lugar já está em você e quando olho pralí pros meus olhos, algo me diz quando ainda estou indo olhar, ainda que já os visualizando, que já fui atraído pelo que neles há que é, neles, o lugar onde nada há, só uma ausência e dentro dessa ausência, vê, uma criança, agora mesmo enquanto escrevo eu a vejo, de verdade, tão perto de mim, tentando subir na cama sem conseguir, com os pés calçando o vácuo e as mãos moles que são de pouca ajuda, mas sabe, ela tenta, ela tenta mais de uma vez, não vai conseguir nunca escalar a cama, mas não vai desistir nunca porque a força dela é isso, o que a encoraja é isso, é essa mão sem força e esse pé cego, entende? eu mesmo não entendo, só entendo que ela se foi que essa uma coisa aqui atrás do que vejo fala e eu escuto distante, distante que agora é um dia e isso no quarto é outro que já ficou atrás mas num repente uma dessas coisas que vivem em camadas na nossa cabeça a trouxe pra me visitar, pra mim ver porque eu sei que ela se foi, essa criança, esse filósofo, esse poeta, esse alpinista, esse deusinho, essa poesia que vejo ela se foi, se foi, se foi, vai, vai longe não sei quantas léguas, não sei quantas verstas, não sei quantos passos mas é igual como ler livro e de repente aparece aí, mas é certo, ela se foi, talvez conduzida para uma caverna que não temos como saber onde pelo flautista de Hamelin,... calo, que compreendo que faz tempo então, mas eu ainda lembro, primeiro foram os ratos, depois as crianças.






A. do Carvalho...

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mensagens...


E ergues tuas mãos, meu guardião...


Num gesto que se poderia dizer que de mim,
                pois por mim 
começas...

O momento que nos cerca,
áureo se faz, feito como se com tuas mãos a luz do sol não mais se pudesse conter nas nuvens que ali estavam e se fizesse Mensagem...

Em silêncio faço que entendo,
em silêncio entendo Tudo como parte inerente desse não entender ilimitado
em silêncio, eu não entendo nada.
Nada que não seja a compreensão do lugar e do estar onde se está há tanto,
no Silêncio, o Guru entre os gurus, o Sábio entre os sábios.

Fico. E é muito.

Mensagem, o Presente de um Anjo.
Um Instante destacado duma eternidade doutros instantes...

Se Deus há, certamente és serafim –  na compreensão que agora me toca
que essa luz Só-Ela só pode ser a única coisa que separa essas coisas grandes do pensamento que a gente faz,
essas coisas de Deus e Serafim...

Essas coisas de luzes, de seres, de imaginações; essas quimeras que se montam nos nossos intentos, nos intentos seus que eu faço em minha loucura...
...e vêm clarear, e vêm destacar os meus gestos tão vazios, tão parados e inauditos desse lugar, desse lugar onde mora a promessa de um lugar em destaque, uma diferença...

Tocado por essa luz, tudo avesso é,
como a mortalha cobrindo o rosto morto,
que, desvelado revela a face de um deus vivo
luminoso...

feito a luz primeva.



A. do Carvalho...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A vida sempre assim...

Sair todos os dias e ver que tem sol mais uma vez, que sempre terá e com isso alimentar dentro de si um monstro que se tornará isso, a que chamamos irremediavelmente certeza, certeza que também crescerá e se tornará uma certeza absoluta, de que não iremos ou que só provavelmente iremos, dependendo da maneira de pensar, a Lugar Nenhum.



A. do Carvalho...

A vida sempre assim...


Ai, não seja a vida sempre assim...


Aqui, no fundo do quarto onde sempre estou, o azul do céu encontra um jeito de entrar e sentar nas coisas com uma suavidade ladina, como um lorde inglês sobre a cruz perfeita de suas pernas, prometendo novidade, como um amigo inconveniente, esse azul, que não se aparta nunca e se faz, o tempo inteiro, sentado ao nosso lado, na nossa cadeira, sem hora de sair. Jaz aqui mais uma vez a divina luz se erguendo em meus pés, pernas, coxas, pau, cintura, mãos, ventre, braços, cotovelos, dorso, peito, na minha cara, no meu cabelo. Tudo a iluminar. E, vejo no espelho sem realmente o ver, algo por detrás da máscara de minha quietude, algo além de meus lábios cerrados, algo em mim do tamanho dessa luz, como se sua sombra fosse, grita um grito louco, um grito insano de beata louca que arranca os cabelos, puxando-os com a brutalidade de quem deseja expor o cérebro como quem tira uma seda de sobre um bouquetde flores, um grito de Maria I nos corredores do Palácio de Queluz se forma dentro de mim, se ergue grande como um Polifemo desesperado de medo, e eu sinto o meu corpo quando este sente a última vibração de um tremor que se espalhou por ele e se extinguiu sem que o sentisse deveras.

Não pode ser a vida sempre assim...
Quantos são?, os que sentem o momento exato em que essa escuridão sem remédio atravessa o véu que é entre o que é dia e o que é noite, essa que nos vem, nem bem Aurora terminou seu labor trazendo de volta a mão para junto do corpo pro Carro Solar passar pela sua frincha, se recorremos a mitologias. Ou sendo mais verdadeiro, quantos são os que sentem essa força demoníaca, essa força satânica, essa Uma escuridão, que cresce do nosso lado, talvez à nossa direita e faz a Terra girar à sua volta, à procura da iluminação desse astro distante e estagnado do céu de todas as gentes?...

Essa Claridade infinda, essa chama imperecível que não para nunca, não para um só dia de cair sobre essas nossas cabeças cobertas de anátemas...

O simples ato de levantar na manhã de todos amanhãs e vê que é dia mais uma vez...
...tem sido desesperador, olhar o sol outra vez, o calor na carne, a vida que pulsa...

E que mais? E o que mais há?

Não seja a vida sempre só isso...
Não pode ser sempre só isso, Céus...
...um girassol desesperado fitando o sol do nascente ao poente...

Pedindo: "Vida!".



A. do Carvalho...
 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Inferno Asteca...


Então, quando Tlaloc mandou a chuva por entre os fios de sol e abri os olhos o que achei ser uma última vez numa cara exangue totalmente caída, vi os restos de meu corpo empapado fundidos a terra, indo embora junto a lama, os restos de carne que antes me compunha, meu sangue ganhando uma cor menos gritante saindo do carmesim muito vivo e entrando na terra marrom acinzentada molhada. E foi só quando olhei para meu ventre despedaçado, totalmente moído, que o gritante voltou a tocar nas coisas existentes e toda a gritaria, o caos, os ruídos dos cascos daqueles veados sem cornos daqueles supostos deuses, todo o barulho ensurdecedor que cresce dentro de nós ao ver que um deus se ergue diante de você contra você trazendo nas mãos aqueles fulminantes paus-de-trovão que hão de fazer um Mictlan, como um espanto, nascer e crescer no seu corpo onde ele acertar; toda essa zoada, como o mugido de uma hecatombe que se fizesse ali diante de seus tímpanos finalmente desprendeu-se do suspenso e caiu estrondeante no chão quebrando todo e qualquer conceito de uníssono. Pois eu percebia ali, olhando sob a magia do sol no meio da chuva aquele ventre massacrado de muitas cores: de um vermelho-arroxeado misturando-se ao marrom-escuro-esverdeado no meio de um preto podre sob o coração que deus algum comeria, já era certo e irremediável, eu percebia que o Mictlan, ou o seu inferno, oh español, queimava totalmente aberto à luz de Tonatiucan, o nosso paraíso asteca, e a chuva que caía nesse momento entre raios lânguidos de sol era a mesma adorada chuva, digna de rituais agradecidos. Eu percebia que os sacerdotes estavam errados, todos eles, ou fomos tolos demais para apreender durante toda uma existência que a treva do Mictlan, o nada do Mictlan, o inexistir dentro da existência do Mictlan é simplesmente escuridão escura. Eu podia, na morte, ver dois mundos se fundindo diante de meus olhos sobre a garganta em erupção levando embora o pouco que restava do meu sangue, dois mundos, e onde eu via no deusespañol, com sua carne ardente e brilhante como o fogo e o trovão nas mãos o equivalente (ou o próprio) ao nosso Tonatiu, se erguia agora, tenho certeza e gelo ao pensar que já no Mictlan e livremente, o nosso mais cultuado, o mais adorado e temido, deus da guerra, Huitzilopochtli, Huitzilopochtli e a deterioração que acompanha seu passo. Huitzilopochtli no Lugar onde tudo devia ser Nada. Eu não entendia, embora percebesse coisas outras, embora colocasse toda a minha consciência nesse olhar a ponto de sabê-lo o último, tudo em mim me dizia sem uma palavra, sem uma dor, sem um espasmo mais, sem um fremir que eu já estava morto e selado para sempre no meu destino; eu sentia com a minha consciência, a última parte de mim ainda viva, toda a promessa dos Antigos finalmente levando embora aquelas cores, aquele deus, tomado conta dos membros, o tronco todo, chegando à garganta, no coração que doía uma dor totalmente inefável por não ter subido ao altar e voado em glória à última morada de meus antepassados, indo parar na graça de um de nossos deuses cujos próprios corações já haviam sido tomados pelo homem branco do Mundo Antigo... e o meu não entender era um entender em demasia, embora meus membros e todo o corpo resto adentrasse passo a passo a antes tão temida e agora desejada escuridão de Mictlan, a minha consciência caminhava serena e visitava a moradia de cada homem da antiga e pequena Aztlán, do mais nobre ao mais pobre, à glória de Tenochtitlán. Eu caminhava no meio do que fomos e meu coração chorava ao recordar que esse caminhar era um caminhar a um só passo, a uma só tristeza, uma só morte. À extirpação de um só coração, o correr de um só sangue. À queda de nossas pirâmides, de nossos deuses, de nossas lógicas e até... de nossos infernos.

Homem nenhum, deveria morrer antes de seus deuses.







A. do Carvalho...


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

E se a vida fosse só aplausos?...

E se a vida fosse só aplausos?

Eu ia correr, deusdocéu!, como eu ia correr, com força espremer a ponta do cigarro recém aceso contra o cinzeiro e sair pela porta, me metendo até as bolas a essa vida que é assim só aplausos, dançar e dançar como um esquizofrênico epiléptico é o que eu faria agora naquele momento, com muita rapidez, muita rapidez que é porque a vida é só aplausos nesse momento e eu quero pegar ela toda e eu quero viver com gestos dentro desse momento pelo menos o dobro do que vivi nessoutra vida que vim vindo sendo até aqui, que não tinha nada de aplausos nela, mas nessa de agora que tá acontecendo aqui tem e eu vou sambar, vou frevar a sombrinha por debaixo das calças porque, deus!, é só alegria e eu quero sorrir, aqui, agora, hoje, nesse minuto, antes que acabe não tire de mim esse riso, essa dança, que essa é toda minha ilusão e minha vida; essa vida que é só assim, em aplausos.


A. do Carvalho

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Esse silêncio...

Então é por isso?, que se torna tão importante e inadiável abrir as palavras como braços que se abrem para apartar, para apartar o silêncio. Ser perspicaz e desesperado o suficiente para identificar o silêncio num vão de quarto ou no aberto duma praia e formar ao redor dessa inanição das palavras palavras que cubram essa ausência de coisas não ditas, palavras que lancem sombras sobre esses... esses silêncios.

Então é por isto?...
Mas que é esse isto, em nome dos deuses?...
Suposições, memórias, invenções ou poesias?

Há quem ainda diga, que por dentro de nós passam rios, ou ainda que somos, nós, rios que seguem não sei eu pronde...

Fecho os olhos e sinto minhas pernas tremer, como se submersas por água corrente elas tentam e só tentam andar. Pergunto em súplica aos deuses - se algo ainda resta deles - ou a mim mesmo ou a qualquer coisa que se me escute dentro de mim o porque do sangue que jorra de mim por cima da carne imaculada, o porque do pus sem chaga, sem corte. Minhas cicatrizes não estão todas fechadas?

E por que é?, do sangue que derramo de Outro's sem que a mão erga, ou a voz, ou... eu nem tenho voz.
Será mesmo isso?, a ausência das palavras, dos atos, de um sentar e de um deitar, será o revés de um grito que se faz curvar abatido aqueles que quero eretos e iguais diante de mim?

Fecho os olhos dentro de mim imaginando, enquanto faço caladas perguntas, onde é que a luz - seus derivados - nasce, onde dorme e onde acorda.
Onde e como e por que e para quê faiscam as coisas. Tento encontrar, num momento em que trago um sol pro pensamento, o momento exato em que a luz de uma sombra se faz caindo por detrás de uma árvore... e tento entendê-la. Tento não mais desesperado, mas simplesmente cálido, pouco impassível - que é preciso dessa serenidade pra isso - olhar de um só e único tempo a árvore e a sombra, enquanto jogo pra fora de mim e dessa paisagem, todo o vento, a mais ínfima centelha de vento; quero a árvore parada, quero sentir o movimento desse sol e observar, pois-como-preciso, vida, encontrar algo no movimento quase imperceptível da sombra sem o balanço da árvore, porque tudo isso "faço" tentando alcançar o primeiro golpe, o primeiro virar de costas, ando agachado de dentro do dentro de mim: duas vezes dentro, procurando aos tateios pela fonte de onde surgiu e ebuliu o sangue primeiro.

Saio de tão fundo e fico somente dentro de mim, com aquelas águas atravessando minha cintura, vindo não sei de que lugar, indo não sei pra que lugar, dentro de mim abro olhos e me pego consciente agora, naquele pensamento primeiro, Então é isso?, é inerente?

Mas onde nascem os silêncios?
Besteira, pode ser que seja mesmo! inerente.
Mas onde nasce?...

Tragam-me, rios, ou traga-me. Só não me deixe outro dia sem respostas.
De quantos irmãos a garganta cortei e quantos foram os corpos que afundei no Tigre ou no Eufrates: dependendo de qual estivesse a menos passos de distância? Quantos foram os rostos de iguais que afoguei no Nilo enquanto membros se debatiam como as palavras de dentro de mim se debatem chorosas precisando sair sem que na maioria das vezes eu dê por elas até se calarem esses membros e eu os reconhecer finalmente como semelhantes do meu silêncio... só até senti-lo de novo como um grito em suspenso que voltará aos ouvidos do mundo... senão nessa noite, na outra, ou na outra até atravessar as vidas?

Cobrir o silêncio pelo lado de dentro cansa em demasia...
Estirar panos sob o silêncio...

Começo a abrir os olhos antes de começar a me afogar e como quem vê, escuta e sente de relance, vejo, escuto e sinto portentos babilônicos, como uma lâmina erguida em nome de Marduk, como um rio de sangue que corre caudaloso onde deuses sanguinolentos se saciam da sede tão quimeramente herdada por nós, então volto a fechar os olhos como quem ergue a palma de uma mão pra apanhar algo, como quem mergulha pra dentro de si, pra dentro de um rio de correntes poseidônicas e com urgência vou ao fundo como quem vai a procura de um ente, de uma amada, mas não tem mais nada aqui e isso tampouco é o rio caudaloso que pensei, estou no meio do oceano, no fundo sem fundo do silêncio inextinguível do oceano.


A. do Carvalho...
...em 31 de janeiro de 2011

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Veraneando

Ao poucos criei comigo, cultivei mesmo sem querer, certa impassibilidade. Totalmente impassível, sabe? Assim meio parecido com esse negócio que escorre de detrás das coisas quando o sol bate na sua frente ou que escorre da frente se o sol bate nas costas, entende?, como uma sombra. É, uma sombra... que nada procura.

Nem lembro quanto tempo faz, criei um estado escuro, pouco úmido a minha volta. Nele me faço ou me cuido enquanto estou doente, só fico, que é meio preguiçoso nele. Tento me salvar, vezes que penso que a febre não vai passar e o inerte dos membros vão permanecer, desvairado até coloco desvario no pensamento de que o sol vai correr, vai sair do lugar, vai pra frente, vai pra trás, não terá sempre sombra e não será preguiçoso sempre aqui e pensar que não será preguiçoso sempre me inquieta, então tento correr pra fora do estado, levanto-me com os pés e com as mãos, mexo rápido as pernas pra me tirar daqui correndo, mas é úmido, escorrego, perco o chão, fico no ar um pouco espasmódico e! é, caio um pouco desengonçado, meio dentro de um ridículo.

Penso as vezes que tá tudo bem, que não depende de mim ir pro sol e que talvez ele, o sol, é quem escolhe pra quem nasce quadrado dizendo nessas palavras, assim. E é aí, nesse instante exato em que começo a pensar que encontro um socorro - usando essas palavras assim tão dramáticas, se bem que drama lembra tragédia e tragédia me lembra as satíricas em que se chora nela toda pra rir no fim ou o contrário, não lembro bem, mas vê -, encontro um socorro. Por um momento fecho os olhos e me esforço, me esforço de verdade como numa jaula humana onde sua unica grade ou comogol está alta demais e num esforço fico na ponta do pé pra sentir o sol na cabeça que assim é mais fácil pensar certas coisas.

E eu penso em você e quando eu penso em você eu pego um momento e não importa a data e não importa que horas são nem se é noite ou dia útil e nem menos pouco importa se é tarde lenta de domingo ou uma segunda fodida de muito trabalho sobre a mesa porque quando eu penso em você eu sinto na minha cara uma passagem como de estação e se o sol não cobre por completo a essa cara seca e rasgada coloco nela um pensamento de sombra de folha de outono que amarela e seca e voa numa brisa vindo de sei lá donde se do Olimpo ou de algo bonito como o revés de um caralho o revés de um palavrão bem feio porque digo palavrões se algo que devia ser bonito me atrapalha e o vento frio de inverno vem e por um momento uma nuvem que como uma esponja absorve o sol da minha dor aparece pra sumi-la e é nesse momento que escorre sangue e a armadura enferruja e cede sobre meu corpo criando frestas por onde umaquela preguiça começa a se esgueirar por dentro de mim como ursos e musaranhos e ouriços e esquilos e marmotas e morcegos querendo hibernar ou hibernar-me mas eu penso em uma força bem muito forte e penso que é minha essa força e coloco toda em você ou no pensamento meu de você a fim de criar uma luz clara e grossa e iluminar com essa luz clara e grossa alguma coisa que já é ou está ou ainda está ficando escura e me enchendo de sabe-se bem o quê então e só então que desesperado penso primaveras eu penso equinócios primaveris bem de com muita força e faço o equinócio passar pra que os dias sejam mais longos e as noites mais curtas e os dias mais longos e as noites curtas e é quando eu chego ou o meu pensamento que vinha indo a você meio esforçado te chega e você ou tu - e penso até um nós - refloresces como um toque refloresce de um tateio e uma luz de uma sombra igual uma morte de uma vida e vezes uma vida de uma morte e então quando isso acontece eu já estou perdido entre a primavera e o verão e o que saiu do meu pensamento de ti - e me perdoe te chamar já assim de ti mas estou tão perdido e é tão bom - e o que refloresceu do meu pensamento de ti são coisas inenarráveis ou inomináveis ou tudo junto não sei mais mas parece que Deus deixa de estar morto e varre e sopra pra longe tudo junto como umidades-folhas-nuvens-preguiças-etcs e então chove uma chuva totalmente enxuta porque agora irremediavelmente meu pensamento toca você...

...e a verdade é que quando eu penso em você eu pego um momento e não importa a data nem as horas nem quando porque quando eu penso em você é sempre Verão.



A. do Carvalho...
 

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A realidade da aparência...


“Que a verdade valha mais que a aparência não passa de um preconceito moral.”
                                                                                                     Além do bem e do mal, F. NIETZSCHE


Quem foi que disse?
...que a verdade, indobrável e inflexível é! mais importante que a aparência.

A essencialidade da aparência...
...que caminha em lentidão, na contagem de passos, entre variantes mosaicos multicores que derramam a ela o melhor do que do Sol é filtrado.

Até quão certo ponto?,
A verdade é verdade e a aparência é simples vasilhame oco.

Imagine Utopia de Thomas Morus e a filosofia de Platão. Onde é?, que a verdade toca a vida.

Em que empirismo?, o que é certo foi bom de se tocar ou agradável de contemplar.
Em que metafísica?, se foi possível notá-la de outro modo que não somente como de coisa meramente provável.


Em que mundo?, se nos deixam viver sem a aparência.

 

A. do Carvalho...
 

Linhas...