quinta-feira, 5 de maio de 2011

Àquela que se foi...

Olho-me nos olhos e é difícil entender, é difícil pegar, feito um mar que lhe arrasta sem que se possa mesmo dizer que você o toca, muito embora seja tocado, faz tempo, pode-se dizer que passou, que posso permanecer, como permaneço, mas eu ainda vejo, a minha inconsciência me leva ao fim do labirinto como se consciência fosse, como se pelos deuses guiado fosse, mas é tarde para atos heróicos, é tarde  para monstros enfrentar, é tarde para chegar onde quer que lugar seja, mas não querer não basta, moleza não basta, nem parar e chorar basta, os caminhos que percorremos são monstros que comem a própria cauda, o que nós somos são os monstros, o que nos move, antes de nossas pernas o são, num faz e desfaz tudo se faz é igual pensar, é igual ver filme, é igual ler livro, ser personagem sartriano: mais rápido que você possa pensar já está em outro lugar ou outro lugar já está em você e quando olho pralí pros meus olhos, algo me diz quando ainda estou indo olhar, ainda que já os visualizando, que já fui atraído pelo que neles há que é, neles, o lugar onde nada há, só uma ausência e dentro dessa ausência, vê, uma criança, agora mesmo enquanto escrevo eu a vejo, de verdade, tão perto de mim, tentando subir na cama sem conseguir, com os pés calçando o vácuo e as mãos moles que são de pouca ajuda, mas sabe, ela tenta, ela tenta mais de uma vez, não vai conseguir nunca escalar a cama, mas não vai desistir nunca porque a força dela é isso, o que a encoraja é isso, é essa mão sem força e esse pé cego, entende? eu mesmo não entendo, só entendo que ela se foi que essa uma coisa aqui atrás do que vejo fala e eu escuto distante, distante que agora é um dia e isso no quarto é outro que já ficou atrás mas num repente uma dessas coisas que vivem em camadas na nossa cabeça a trouxe pra me visitar, pra mim ver porque eu sei que ela se foi, essa criança, esse filósofo, esse poeta, esse alpinista, esse deusinho, essa poesia que vejo ela se foi, se foi, se foi, vai, vai longe não sei quantas léguas, não sei quantas verstas, não sei quantos passos mas é igual como ler livro e de repente aparece aí, mas é certo, ela se foi, talvez conduzida para uma caverna que não temos como saber onde pelo flautista de Hamelin,... calo, que compreendo que faz tempo então, mas eu ainda lembro, primeiro foram os ratos, depois as crianças.






A. do Carvalho...

1 comentários:

Anônimo disse...

Não sei o que dizer-te.

Está tão belo, tão defenido...
Apesar do autor se sentir indefinido. Num lete.
Esquecido e desapegado.

TUdo lindo e poético.
Uma poesia despida de não-poesia.
Lindo.

Amo te ler.
E amo esta criança, este menino-Homem.
Meu eterno poeta e escritor.


Beijo

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